sábado, 24 de outubro de 2009

Recordações de uma paisagem não vista - Poema de Divino Sobral e vistas da exposição no Centro Cultural Banco do Nordeste Cariri.


Remendar o mapa antigo de um local não visto;
Recuperar a cor de fotografias desbotadas e apagadas;
Restaurar cartas rotas, de papeis amarelados;
Recompor a palavra rasurada e as letras rabiscadas;
Retirar do esquecimento a paisagem
Daquilo que foi,
E que permanece
Perdido pelos cantos.

Depois,
Lembrar dos lugares que os olhos não viram,
Mas que os ouvidos ouviram.
Desdobrar calmamente os registros,
Cartografar a memória oxidada por
Dias, semanas, meses, anos, décadas, séculos, milênios,
Sucessivos no tempo desde sempre e até o fim.

Paisagem enterrada que o esquecimento não apaga.


Recordações de uma paisagem não visitada.
Desenho do Araripe do Cariri do sul do Ceará.
Elevações de planalto e vales de chapada.
Lembranças sedimentadas em camadas minerais,
– Milhares de séculos antes do tempo humano
Inventar a cronologia do que não viveu.
Afloram na terra

Registros
Da paisagem que ninguém nunca viu,
E que outrora estava
Nesse lugar em que nunca estive.
Jardim fossilífero.


A pedra (sempre a pedra!)
Polida pelo passado tectônico,
Moradora autóctone,
Guardiã dos tempos imemoriais,
Protege em seu coração vida perpétua,
Fauna e flora petrificadas na plenitude do que foi,
Fossilizadas na plenitude do que é:
Pétrea eternidade, todas as dimensões do tempo.
Prolongamento da existência que rompe a duração,
E irrompe na dureza fria e na imobilidade seca
A imagem da vida dentro da morte.
Tecido fossilizado
Reveste a carne de quem sente na pele o arrepio do passado.
Recordações de uma paisagem não vista.


Retrato de Joaquim Romão Batista (pai de Padre Cícero) exposto na Casa/Museu Padre Cícero em Juazeiro do Norte. Sem que eu tivesse conhecimento da cor das paredes deste museu, criei minha instalação sobre uma parede azul; ao final estabeleceu-se um diálogo entre as duas situações expositivas. Foto: DS

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Recordaçõs de uma paisagem não vista - Texto de Daniela Labra


“O artista goiano Divino Sobral tem como principal característica de sua obra certa mescla entre o regional e o contemporâneo. Seus bordados, desenhos, esculturas, objetos e instalações, entre outras mídias, remetem a um Brasil de fábula arcaica que é ao mesmo tempo hiper-moderno, um Brasil que pode ser encontrado no Cariri e em São Paulo, simultaneamente. Suas histórias - como as que ele conta aqui - parecem dizer que é a cultura da grande metrópole que depende do interior para construir sua identidade. Por outro lado, ainda que possa parecer contradição, seu discurso estético não se aprisiona no que é regionalista, e traz no peito tanto o orgulho do pertencimento local como o de não pertencer a lugar algum.
Para esta exposição, Sobral desenvolveu desenhos a partir de relatos reais de cearenses residentes em Goiânia, que descreveram com nostalgia e certeza lugares que o artista desconhecia. Desse modo, foi pelo processo de executar retratos-falados da lembrança alheia que esta mostra feita de sonho surgiu.
Divino Sobral nos monta uma colcha de retalhos de memórias de terceiros, que por ele foram filtradas e interpretadas. Entretanto, como a arte não busca jamais impor uma verdade a seu público, a paisagem que vemos aqui tão pouco se pretende verdadeira, ainda que seja real neste lugar, neste momento. Recordações de uma paisagem não vista é sonho vivido. E também um pouco de saudade sonhada.”
Daniela Labra – Curadora