domingo, 8 de março de 2009

O Poeta e as pedras - Performance de Divino Sobral


Casa de Cora Coralina e seu muro de pedras. Vista do Rio Vermelho. Cidade de Goiás. Foto:Divino Sobral. No local teve início e fim a performance "O poeta e as pedras".

Logo após ter contratado o carro de som que usaria na performance – uma variant vermelha, muito velha e que tinha escrito nas portas a palavra “Brioza”, um carro muito popular na cidade – dirigi-me para o quintal da casa de Cora Coralina, onde depositei no chão as roupas oxidadas que usaria e os 28 livros dos 28 poetas que leria durante a performance. Sobre cada uma destas peças coloquei pedras do quintal. Passei a manhã e almocei sentado no chão à sombra refrescante de uma mangueira. Pouco antes do meio-dia recolhi os livro, vesti-me e me preparei para iniciar a performance.

Ao meio dia, saí à porta da Casa com a pilha de livros que coloquei na soleira; dirigi-me ao Rio Vermelho e nele joguei uma pedra que havia levado da minha casa. Peguei novamente a pilha de livros e entrei no carro que me aguardava estacionado de frente à porta. Tomei o microfone e li o primeiro poema, de autoria de Cora Coralina, com o carro ainda estacionado. Após a leitura o carro partiu, subindo lento e cambaleante pela rua de pedras. Posteriormente, me contaram que foi uma situação comovente: que a vizinhança chorou e que todos começaram a seguir o carro até a próxima parada que se deu no Largo da Igreja do Rosário, onde desci do carro e li o poema de Mario de Andrade olhando para a igreja e o poema de Paul Celan olhando para o Fórum. Após estas leituras entrei novamente no carro que seguiu ruas acima. Nesse momento as pessoas entenderam que não conseguiriam acompanhar toda a performance porque ela se dissolveria na cidade, segundo um trajeto que eu havia desenhado no mapa.

Percorri o percurso de 4 km em ruas pavimentadas por pedras durante uma hora aproximadamente, sob um sol abrasador e um calor escaldante, eu segui lendo poesias sem tomar água alguma para que no decorrer do trabalho minha voz também petrificasse. Em alguns locais descia do carro e lia uma poesia olhando para um local público; por exemplo: A educação pela pedra de João Cabral foi lida em frente da Faculdade, TS Eliot de frente à Catedral, Cecília Meireles em meio ao mercado. A performance aparecia e desaparecia pelas ruas da cidade surpreendendo as pessoas com a situação inesperada. No final do percurso o carro retornou à casa de Cora Coralina. Desci pela última vez do carro, joguei uma pedra imaginária no rio e entrei novamente na casa, encerrando o trabalho.

A performance foi concebida como um site specifc relacionando a casa da poeta Cora Coralina, poesias e as ruas pavimentadas por pedras da velha capital goiana. O trabalho se constitui na leitura de 28 poemas que foram organizados por mim como uma antologia da pedra na poesia. Os poemas que pertencem a esta antologia têm as páginas dos livros assinaladas com uma mancha de tinta dourada e também com um marcador feito de papel artesanal pintado com pó de pedra sabão. Estes livros foram expostos na minha individual “O tempo é água” realizada no Museu de Arte Contemporânea de Goiânia, em 2004. A performance O Poeta e as Pedras foi apresentada na Mostra de Arte Performática, que integrou o Iº Festival de Artes de Goiás, realizada na Cidade de Goiás em 2001.

A seguir, publico extratos dos poemas lidos durante a performance “O poeta e as pedras”.

Cora Coralina.
“Recebe como oferta as pedras e a lama da maldade humana!
Esta é a tua safra,
entre pedras
cresceu a minha poesia,
minha vida...
quebrando pedras
e plantando flores”.

Mário de Andrade.
“Sacro e profano edifício,
tem pedras novas e antigas
- Como minha alma”.

Paul Celan.
“Com qualquer pedra que ergas –
desnudas
os que precisam da proteção das pedras:
nus,
eles ressalvam então o seu enlace”.

Jorge Luis Borges.
“Zeus não poderia desatar as redes
de pedra que me cercam. Esqueci
os homens que antes fui.”

Pablo Neruda.
“Eu sou dos que vivem
a meio mar e perto do crepúsculo
além dessas pedras”.

Federico Garcia Lorca.

“Frente a frente pedra e vento,
sombra e pedra”.

Cecília Meireles.
“Oh, quanto me pesa
este coração que é de pedra!
(...)
Oh, como não me alegra
ter este coração de pedra”.

João Cabral de Mello Neto
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
(...)
Lá não se aprende a pedra. Lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma”.

“Procura a ordem
que vês na pedra:
Nada se gasta
mas permanece

Carlos Drummond.
“No meio do caminho tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra”.

Arnaldo Antunes.
“Dura a dura
pedra”.

Ferreira Gullar.
“O anjo, contido
em pedra
e silêncio
me esperava.

José Paulo Paes.
“Por seu fígado de pedra
imune a toda sorte
ou quantidade de álcool”.

Fernando Pessoa.
“A montanha por achar
Há de ter, quando a encontrar,
Um templo aberto na pedra
Da encosta onde nada medra”.

Rainer Maria Rilke.
“Uma história do mundo alteou
de uma pedreira cada vez mais cega.
(...)
As pedras parecem como que soltas:
Nenhuma delas é por ti lavrada”.

Gerard Manley Hopkins
“Mas, ah! Ó terrível, por que assim tão rude sobre mim?
A Rocha.
Deste teu pé direito torce-mundo?”

T S Eliot.
“CORIFEU: Silêncio! E guardai a reverente distância
Pois que percebo aproximar-se
A rocha. Aquela que talvez responderá às nossas dúvidas.
A rocha. A Sentinela. A Forasteira.
Aquela que viu tudo desde o início
E tudo agora vê do que ainda está por suceder.
A testemunha. A que julga e sentençia. A forasteira.
A que tangida foi por Deus, e em quem toda verdade é inata”.

Willian Blake.
“Na segunda câmara, havia uma víbora
enrolando-se em torno de uma pedra
e da caverna, e outras adornando-a
com ouro, prata e pedras preciosas”.

Decio Pignatari.
“Na poesia interessa o que não é poesia
Na pedra interessa o que não é pedra”.

Walt Whitman.
“Alguém pedindo para ver a alma?
Veja sua própria forma e seu semblante,
(...)
as pedras e as areias”.

Charles Baudelaire.
“Eu sou bela, ó mortais! Como um sonho de pedra”.

Gregory Corso.
“O tempo na quietude de um jardim invernal,
(...)
não significa nada quando você se descobre
seu dedo imprimindo reflexões numa rocha”

William Wordsworth.
“Por que, William, sentado meio dia
Nessa pedra cinzenta e milenar,
(...)
Tu passas o tempo a sonhar?”

Paul Éluard.
“Ele é duro como a pedra,
A pedra informe,
A pedra do movimento e da vista,”

B. Brecht.
“Soube que vocês nada querem aprender
(...)
seus pais
cuidaram para que seus pés
Não topassem com nenhuma pedra. Neste caso
Você nada precisa aprender. Assim como é
Pode ficar”.

Hans Magnus Enzensberger.
“Não tem perspectiva o que fazes. Bem:
Tu o compreendeste, admite,
Mas não te conformes,
Homem de pedra”.

Allen Ginsberg.
“Voltei sentei-me num túmulo e fiquei encarando teu tosco
menhir
Um pedaço de granito delgado como um falo inacabado
Uma cruz apagada na pedra 2 poemas na
lápide um Coeur Renversé”.

David o salmista.
“Eles o levarão nas mãos,
Para que o seu pé não tropece em pedra alguma.”