quarta-feira, 4 de março de 2009

Americas Latinas. Las fatigas del querer. Múltiplas falas. Texto de Guilherme Aquino - Milão

Múltiplas falas
Por Guilherme Aquino - Milão

Com a participação de 11 brasileiros, exposição em Milão chama a atenção para a arte contemporânea feita na América Latina

Logo na entrada, um painel costura com pedaços de tecido o título Estamos Unidos, feito por Alejandra Mettler. A exposição Las Americas Latinas, Las fatigas del querer, é um mosaico de tudo aquilo que se pode traduzir em arte contemporânea recolhida em galerias, museus e ateliês de artistas das três Américas. Tudo está reunido, até outubro, no espaço cultural Oberdan, no centro de Milão.

Os artistas, vivos ou já falecidos, exibem obras que vão desde instalações de vídeo, a esculturas,quadros, objetos e tapeçarias. Ao todo são 47 cidadãos do Brasil, Argentina, Uruguai, México, Cuba, Trindad, Venezuela, Guatemala e também Itália, Portugal, Holanda e Alemanha. Os europeus não estão ali por engano, mas por reproduziremo olhar estrangeiro sobre a realidade de países latino-americanos.

O fi o condutor da exposição é a ideia de arte como expressãomáxima do ser humano e como instrumento de denúncia social, política e econômica. Assim, foramparar em Milão as queimadas feitas nas florestas brasileiras ou as guerrilhas em ação em diversos países da América Central. Difícil o espectador não sentir na pele e na emoção o chamado do país de origem da obra. Segundo o curador Philippe Daverio a mostra é um mosaico da produção artística latino-americana, sem rótulos: Os ritmos musicais, as evocações poéticas, a literatura que reflete uma realidade complexa e envolvente, os sonhos atingidos pela política e pelo futebol estão presentes nas obras. As Américas Latinas, são uns “lugares” convencidos de desempenhar um relevante papel de ator político, numa arte primitivamente política. A arte na América Latina é franca e mais do que documentar queremos revela-la.

Na exposição, ocupa lugar de destaque a obra de Artur Bispo do Rosário. Nascido em torno de 1910, dele sabe-se apenas, com certeza, o ano de sua morte: 1989, no Rio de Janeiro. Filho de escravos, ele foi paciente do instituto psiquiátrico Colônia Juliano Moreira. Com ele, tiras depano velho e de baixa qualidade, feitas de lençóis do hospital, ganharam vida com escritas e cores. Cada tira representa o título de uma Miss (Brasil, Cuba, Argentina). Usando restos de alumínio, tecidos e linhas, ele construiu uma obra que, segundo um dos organizadores, Jean Blanchaert, contém a “elegância que apenas as crianças e os loucos possuem”.

Bem ao lado da obra de Biso do Rosário está uma pequena máscara de carnaval da artista plástica carioca Beatriz Milhazes que, recentemente, teve um quadro leiloado por mais de um milhão de dólares no mercado internacional. A máscara, de pequenas dimensões, pertence ao Museu de Arte Moderna de São Paulo. Foifeita com técnica mista e causa um grande impacto visual ao remeter o visitante aos bailes de carnaval dos anos dourados. A artista tem como “companhia” a reprodução de um quadro de Tarsila do Amaral (1889-1973), o clássico Abaporu, de 1928, pioneira das artes brasileiras e que tanto influenciou a obra de Beatriz.

A lista de brasileiros presentes em Milão inclui Farnese de Andrade, Nelson Leirner, Vik Muniz, Daniel Senise, Alexandre Murucci, Ernesto Neto, José Rufino e Divino Sobral, autor de um painel em madeira e lã no qual reproduz o “Jardim da Jabuticabeira”,uma das obras de maior dimensão da mostra.

Imagens sensíveis como a de um homem puxando com uma linha a América do Sul, com a palavra Fragile se alternam com a denúncia da força bruta, armada, como a de um móvel de madeira construído na forma de uma granada onde cada estilhaço se abre como uma gaveta. A denúncia contra a condição social de opressãoda mulher também está presente: um corpo feminino nu aparece coberto pelas entranhas abertas de um animal morto representado a própria violência sofrida.

Difícil sair indiferente depois de tantas mensagens de beleza,de raça, de lutas e batalhas por uma melhor qualidade de vida. Mais do que uma exposição de artes plásticas, o evento joga luz para uma parte do nosso planeta, muitas vezes ignorada e pouco valorizada.

Texto publicado originalmente em http://www.comunitaitaliana.com/site/index.php?option=com_content&task=view&id=8458&Itemid=2