sexta-feira, 4 de junho de 2010

Nuances Temporais - texto de Rodrigo Alves no jornal O Popular


Nuances Temporais
Rodrigo Alves.

Um dos nomes de maior destaque da produção de arte contemporânea em Goiás, Divino Sobral leva a partir de hoje ao Museu de Arte de Goiânia a exposição Onde o Tempo se Bifurca, calcada em uma rica pesquisa sobre o universo dos bandeirantes na história e na arquitetura da Cidade de Goiás, que sugere paralelos entre passado, presente e futuro. Realizado com o Prêmio Marcantonio Vilaça, da Funarte, o trabalho conceitual é constituído por vinte e três peças que formam uma grande obra, uma espécie de instalação, que não pode ser apreciada sem contextualização.

Dezoito anos após sua primeira exposição individual em Goiânia, Sobral apresenta um trabalho que mostra sua verve criativa e extrapola os limites da criação artística para servir também como uma maneira de ensinar História, com H maiúsculo. Como um artista que gosta de fundamentar suas obras com uma minuciosa pesquisa, neste trabalho ele traz peças com técnicas como fotografia, bordado e até a construção de um móvel em madeira que vão além da criação estética e também narram fatos históricos.

Dispostas em quadros, fronhas envelhecidas que remetem ao sonho, na fronteira entre o real e o imaginário, são bordadas com imagens símbolos da arquitetura da cidade histórica que demonstram diversas fases pelas quais Goiás passou e ainda trazem depoimentos de 11 entrevistados, entre elas figuras conhecidas como Antolinda Borges, Frei Marcos e Sebastião Morais Bueno (descendente de Bartolomeu Bueno da Silva). “Onde o Tempo se Bifurca quer fazer essas pontes entre passado e presente, presente e futuro, e futuro e passado. Quero mostrar como a Cidade de Goiás tornou-se uma cidade do trauma de diversas perdas, como o fim do ciclo do ouro e mais tarde com a transferência da capital”, explica o próprio artista.

Para compor a exposição, Sobral ficou cerca de dois anos fazendo entrevistas, visitando diversos pontos históricos da Cidade de Goiás, além de buscar documentos e livros para trabalhar as informações. Um dos pontos altos de todo este resgate histórico refere-se à ocupação da Vila Boa pelos bandeirantes, com destaque especial para Bartolomeu Bueno da Silva. Uma das casas que o bandeirante viveu, preservada pela história oral que sempre deu conta de que ele viveu ali, ganha destaque no móvel que representa uma antiga sacada que se abre para a visão da imagem de uma obra sacra de Veiga Valle ampliada em fotografia.

A montagem é quase uma síntese visual do trabalho todo, pois coloca em perspectiva ricos detalhes arquitetônicos que testemunham o contexto histórico em que foram produzidos. “A arquitetura também nos conta a história da cidade”, diz Divino. Após deixar tudo pronto, nos dois anos de pesquisa, o artista levou cerca de três meses para executar tudo. Para tanto recorreu a tecnologias como máquinas de bordar e a própria câmara fotográfica para registrar detalhes de uma das obras de Veiga Valle, quase imperceptíveis a olhos desavisados.

VARIEDADE

Responsável por resultados instigantes, Sobral sempre se preocupou em pesquisar diferentes materiais como suporte de suas esculturas, objetos, desenhos, pinturas e instalações. A variedade de técnicas, materiais e gêneros em sua produção é vasta. Em escultura, por exemplo, ele já trabalhou em estrutura de borracha e de ferro, algumas revestidas de materiais incomuns e até estranhos como capim, cabelo humano, algodão, fios de cobre, arame, linhas de bordar e de costurar.
Artista que saiu dos palcos do teatro diretamente para o universo da arte contemporânea, Sobral mantém como eixo temático de sua obra a memória, a passagem do tempo e as relações antagônicas. A oxidação (ferrugem) das fronhas presentes na atual exposição e em trabalhos anteriores funciona, por exemplo, como metáfora do envelhecimento, do qual nada nem ninguém escapa. Para ele o tempo é como a água que escorre, escapa das mãos, do olhar, do corpo. Um fluir contínuo.

Texto publicado no jornal O Popular, Magazine, Página 1, Goiânia, 17 de junho de 2010.

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